segunda-feira, 10 de junho de 2024

O GÊNERO PERFIL



Publicar o perfil de determinada celebridade, naturalmente desperta no público leitor a expectativa de saber os pormenores da vida privada do perfilado. O público, certamente, espera que esse conteúdo venha recheado com detalhes escondidos, escanda-los e fatos nunca expostos. Esperarão também relatos que expliquem os pormenores por trás dos fatos ditos diretamente da fonte (perfilado), com seu conteúdo na medida certa para saciar os leitores famintos por novidades referentes ao perfilado.

Depois do contato com os textos Síndrome de Estocolmo: Jornalista em sequestro, ROCCO, 1999; e Chico dá Samba, FREIRE, 1968; desenvolvemos uma linha de raciocínio em relação a estes textos. Essa leitura pode não esclarecer teoricamente a essência do perfil, mas nos traz elementos preciosos na relação jornalista e perfilado para manter o equilíbrio nesse envolvimento, ou seja, o profissionalismo, a ética e a moral, fazem parte desse contrato de cumplicidades.

No perfil Chico da Samba, por exemplo, ocorre um estilo “apaixonado”, que foi escrito com envolvimento emocional do jornalista, e este, claramente coloca ali opiniões sobre o perfilado, de tal forma que pela sua maneira de descrevê-lo expõe no texto, trechos dignos de um fã e admirador, explicitando o grau de envolvimento devido à amizade entre eles. “Enquanto a relação entre jornalista x personagem vai se aprofundando, adquire também características idênticas a um caso de amor” (ROCCO, 1999). Chico da Samba, traz relatos e comentários que no seu contexto evidenciam fatores qualitativos da personagem, favorecendo, promovendo, formando uma imagem de bom moço, mesmo nos momentos que trata minimamente seus aspectos individuais negativos de forma simpática.

Não fosse a inegável posição de celebridade ocupada, Chico da Samba, não despertaria interesse ou curiosidade maior sobre o perfilado, que não seja dos seus fãs, ou seja, trata-se de um perfil “plano”. Claro, tratar-se de uma celebridade, mas os fatos descritos no perfil em questão, soam com um romantismo quase pedante presente na maneira em que foi escrito, e seria dificilmente rejeitado pelo perfilado.

Mas como a própria ROCCO, Fiammetta comenta no início do seu texto, “o jornalismo que eu mais gosto é sobre pessoas”. Esse jornalismo sobre pessoa, tem realmente que ser vibrante, interessante, tem que explorar os extremos do perfilado, com uma boa provocação, pode nascer fatos ricos de história, coisa que despertam curiosidade dos leitores, um bom perfil não tem que ser só uma descrição perfeita do perfilado, não pode ter como intenção “endeusar”, mas tornar o perfilado uma figura interessante e enigmática que desperte a atenção dos leitores.

Falando de aceitação da redação final por conta do perfilado, é como se tivéssemos duas linhas que seguem em sentidos opostos. Para agradar o leitor, o jornalista utiliza de toda informação colhida acerca do perfilado e literalmente relata-os em sua totalidade com intuito de despertar interesse do leitor, neste caso, é bem provável que esses fatos sejam repudiados pelo perfilado. O que não acontece logicamente num perfil que deixa o perfilado em uma posição totalmente cômoda. Mas essa briga de braço, chega num meio-termo diante da adoção de um contrato que dita as regras dessa relação, mas, ao mesmo tempo, impede que um bom trabalho seja feito, pois impor regras ao que deve ser dito, é interferir diretamente na liberdade do jornalista de aprofundar em assuntos às vezes incômodos para o perfilado, mas bem mais relevantes acerca aos olhos do leitor.

Essa relação entre jornalista e perfilado, no fundo, até pode ser ilustrado como semelhante a um namoro, é possível identificar todas as fases que passam um casal, desde o momento do interesse pelo outro, da forma como é intermediado esse encontro, do ápice da relação e do trágico fim, que pode vir acompanhado de litígio.

Passando por todas essas fases de forma equilibrada, nasce o fruto dessa relação, o perfil. Com a diferença de que no caso do perfil, ao contrário de um bebê, ele se estagna no tempo e não acompanha o crescimento do perfilado, exceto caso a seu tempo, nasça um novo perfil, e assim sucessivamente sendo superado pelo seu “irmão” mais novo.

A coleta de dados para se elaborar um bom perfil não é tarefa fácil, e este é só um das várias etapas da produção, que vai desde a entrevistar, o acompanhar, a pesquisar, uma visita ao currículo, disposição das regras e outros elementos que devem guiar o jornalista para um resultado interessante. Ainda assim, tomando todos esses cuidados, certamente haverá algum descontentamento por parte do perfilado, Rocco (2009) diz o seguinte “O fato é que muitos dos retratados nesses perfis passaram a odiar a publicação final e se arrependeram tremendamente de terem cooperado com o jornalista.”

Neste sentido, ilustra bem o trecho seguinte, que ilustra outra relação comparativa nesse processo de construção do perfil

Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas, conquistando-lhes a confiança e traindo-os sem nenhum remorso. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente ser tema de um escrito não-ficcional aprende – quando o artigo ou livro aparece – a sua própria dura lição ROCCO, MALCON, apud MALCOLM, 1990, p. 11).

Concluímos que a melhor forma para se fazer um perfil é fugir do perfil plano, instigar o escritor, incomodar o perfilado e encantar os leitores.


Por Demetrinho de Arruda Filho

Texto oriundo dos estudos na graduação.



terça-feira, 4 de junho de 2024

CRÔNICAS DO DEMETRINHO: O QUE SERÁ DEPOIS DO PÓ?

 Do pó viemos, ao pó retornaremos. (Gênesis 3:19). 

Se caminhei por onde caminhei, foi por coragem de sempre seguir um passo após o outro. Não julgo quem não vai longe, mas ficar parado e criando uma prosopopeia para o caminho, não o levara literalmente a lugar nenhum. Aonde quero chegar com esse parafrasear redundante da trajetória humana? Não quero se quer mover um passo, apenas te convido a viajar na ideia de quem poderia ser, e de quem poderá ser. Opa, mas não tenho mais tempo para ser ou me tornar o que gostaria de ser, seja hoje! Pelo menos, se imagine sendo, e uma vez o sendo, mesmo que ficticiamente, exercite a sua mente. Pondere se valeria a pena a caminhada. E depois desse prognóstico do seu eu futuro, saia do seu espírito catártico, e se relacione consigo mesmo de forma mais leve. Nem sempre conseguiremos caminhar livremente, mas ninguém pode nos impedir de suscitar as muitas possibilidades de ser. Inevitavelmente voltaremos ao pó, mas podemos evitar que nosso legado também se transforme em mera fuligem do que somos. Faça sempre o melhor, para os seus, mas principalmente para você mesmo(a). Depois do pó, nos encontraremos pelo ar, pela terra e pelo mar. Nossa matéria se resumira a nada mais que pó, e só nos notarão, se ocasionalmente pousamos na retina dos olhos, para incomodar. Aliás, incomodar é um talento nato do ser humano, veja que até depois do pó, incomodaremos.

Reflexões 

Demetrinho Arruda

Jornalista